sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Uma construção dialética da modernidade, vista por André Dantas

A fala de André aconteceu num dia de terrorismo em Fortaleza.  Ameaças de bombas, de tiroteio, de retaliações entre bandidos e policiais nos fizeram ter medo de sair de casa naquela noite.

Aos corajosos presentes, o autor instigou a duvidar da ideia que faziam de Modernidade e de Antiguidade. Mais precisamente, convidou a duvidar de que uma cisão entre ciência e religião possa ser, de algum modo, profunda.

Abalos dentro e fora da Universidade... um destrutivo, outro construtivo.


Abaixo, algumas palavras do próprio autor, publicadas por ele em rede social.
Na filosofia cartesiana, o acesso ao pensamento imaterial só era possível através da natureza material e vice-versa, pois era a objetificação do mundo que clareava o que era mental e o que não era. Enquanto estivesse vivo, o conhecedor precisava do mundo para conhecer a mente, que era conhecida por meio da separação. A objetificação promovia a separação, mas exatamente por isso o corpo e a matéria necessitavam da atenção da mente. A mente se apoiava no corpo para se libertar dele. Como não havia mais nenhuma forma arquetípica unindo o cosmos ao homem, tornar-se racional adquiriu um outro sentido em Descartes. 
A capacidade de objetificar o mundo era essencial ao exercício do controle desprendido e racional. O desprendimento ocorria por meio da objetificação do mundo, e por isso o sujeito racional precisava desse mundo objetificado para se compreender como racional. Para se libertar do mundo, era necessário firmar os pés na objetividade do próprio mundo. Assim como o puritano praticava seu ascetismo espiritual inserindo-o no cotidiano mundano, o cartesiano praticava uma libertação mental enraizando a mente no mundo material ao representá-lo mecanicamente, pois o que definia o cogito como cogito era exatamente o fato de não poder ser representado espacialmente. O cogito era o ato de negação que o separava do mundo natural, que perdia então suas características espirituais, noéticas, tornando-se uma pura extensão. Enquanto a mente era imaterial, o corpo e o mundo eram uma pura extensão despida de qualquer forma de idealidade, de espiritualidade. A negação da natureza como uma res extensa que a separava do cogito, era aquilo que paradoxalmente unia os dois.
A recriação do mundo como uma extensão de partes conectadas mecanicamente umas às outras foi mais um passo no desencantamento do mundo, que tornou o cotidiano profano mais opaco às rupturas das hierofanias sagradas. O sagrado era cada vez menos experienciado diretamente na realidade profana e cada vez mais dependente da fé em uma dimensão transcendente. A intensificação dessa diferença era com/pensada pelo furor de ordenamento da vida cotidiana que reconectava o sagrado com o profano ao tornar o cotidiano um reflexo da vontade do Criador. O mundo mecanizado tornou-se o lócus do controle instrumental exercido pelo entendimento. A objetificação do mundo tinha como objetivo final o seu controle, a posse da natureza pelo homem que daria a ela um uso socialmente útil, como era da vontade de Deus. 
A filosofia estava deixando de ser especulativa para se tornar prática, possibilitando um conhecimento que utilizava o mundo como um instrumento adaptado à vontade humana. Sem a ordem arquetípica que regulava a priori o mundo e que o conectava intrinsecamente ao intelecto humano, a conexão passou a ser externa. A nova razão instrumental, dissociada da natureza, não se contentava em deixar as coisas seguirem seu próprio rumo. A partir de então, parafraseando Marx, a razão não se contentava mais em interpretar a realidade, pois precisava transformá-la a sua imagem e semelhança. As coisas do mundo não eram mais símbolos que apontavam para os seus respectivos arquétipos, para as ideias eternas da mente divina, mas partes extra partes que deviam ser remodeladas para que o grande mecanismo da natureza funcionasse da melhor forma possível. 
Ano que vem retornaremos com os nossos encontros, agora aos sábados pela manhã, também na Universidade Federal do Ceará, sendo realizados pelo Círculo de Pesquisas em Lógica e Epistemologia das Psicologias - CPLEP - com curadoria de Neila Mesquita e apoio de Nistai Nascimento.

Aguardem notícias!

domingo, 15 de novembro de 2015

Nistai Nascimento com Nise da Silveira: indo até o final para sentir amor pelas coisas

Octavio Ignacio, desenho produzido no decurso de seu tratamento psiquiátrico com Nise da Silveira
 [...] mas o médico, o psicólogo, tem que deixar a pessoa ir até o final para que ela possa sentir amor pelas coisas (Octavio Ignacio, citado por Nise da Silveira em "O Mundo das Imagens").
Foi em setembro, dia 14, que Nistai Nascimento comentou conosco um pouco de suas leituras a respeito de "O MUNDO DAS IMAGENS", da psiquiatra brasileira Nise da Silveira.

Ele nos trouxe ideias sobre os guerreiros e a Virgem esculpidos por Lúcio, paciente acompanhado por Nise, explorando a evolução de sua obra desde antes até depois da lobotomia a que foi submetido. A psiquiatra, francamente contrária a essa cirurgia, registrou o declínio expressivo do paciente.

O caso pode ser compreendido como o cerceamento de um movimento autorregulativo e Nistai o relacionou a um caso clínico vivenciado por ele, em que a via autorregulativa foi seguida a partir de expressões pictóricas e da escuta aos poucos elementos trazidos inicialmente pelo paciente. Ele respondia a qualquer pergunta basicamente com uma entre duas palavras: "tudo" ou "todos".

Este paciente, que chegou à clínica desorganizado, tendo passado por um surto psicótico. Em psicoterapia, a ele foi permitido "ir até o final", e o amor pelas coisas afinal foi expresso num desenho do mundo em que dançavam os números de uma matemática sagrada.


terça-feira, 18 de agosto de 2015

"O Asno de Ouro" - Neila Mesquita comenta sobre o homem diante da gravidez e do parto

Em maio tivemos o segundo encontro do nosso Clube. Na ocasião, Neila Mesquita trouxe suas observações sobre "O Asno de Ouro", de Marie-Louise von Franz.
 
Ela nos desenhou um resumo do romance de Lúcio Apuleio, o romance em que von Franz se baseou para sua análise sobre a realização do feminino no homem. Ao mesmo tempo, Neila também nos resumiu o ponto de vista da autora suíça. Riquíssimos ambos os textos, o original latino e a análise junguiana.
 
O comentário da nossa curadora, no entanto, privilegiou certos aspectos do texto, trazendo a atenção do público assistente para as relações dos homens com os eventos perinatais: a gravidez, o puerpério, o parto, o sexo.
 
Em certo ponto de vista, uma criança pode ser vista como a encarnação de uma sizígia. Ela é resultado do encontro entre os opostos mulher e homem. Todo o ciclo perinatal potencialmente constela essa situação de sizígia, significando possibilidade de ampliação de consciência para todos os envolvidos, não apenas para a mãe. Esse foi o fundamento da argumentação da comentadora nesse encontro.
 
Movimentos como o da humanização do parto, que pretendem que um maior nível de tomada de decisão seja atribuído à gestante, minorando o quanto possível a autoridade médica e hospitalar, representariam um enorme avanço quanto ao desenvolvimento da personalidade feminina. Afinal de contas, amadurecer, em boa parte, significa ser capaz de tomar decisões e responder por elas.
 
No entanto, enquanto o companheiro não encontrar seu lugar na situação, talvez o quadro reste incompleto. O homem diante da gravidez e do parto, tende a perder sua voz humana: calando-se ou relinchando autoritarismos. Sua relação com a mulher gestante muitas vezes distancia-se inclusive fisicamente. Preconceito, medo ou desinformação fazem com se evite mesmo "manter relações".
 
Este e outros aspectos foram trazidos pela comentadora no dia 18 de maio último. Para mais informações, recomenda-se a leitura dos livros (tanto o de Apuleio, quanto o de von Franz). Também é possível contato com a comentadora.
 
Nosso próximo encontro será em setembro, dia 14. Nistai Nascimento comentará "O Mundo das Imagens" de Nise da Silveira. Até lá!
 

sábado, 14 de março de 2015

Inauguração do Clube com Selene Mazza




Nossa, que ansiedade, o primeiro encontro do Clube do Livro Junguiano é depois de amanhã, segunda-feira!

Quem inaugura é a psicóloga Selene Mazza, que trará seu ponto de vista a respeito do livro "Sobre Sentimentos e a Sombra", constituído de entrevistas com C. G. Jung.

Sobre ela, um pequeno currículo nos dá mais algumas informações:
É Doutora em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, na Área de Concentração: Saúde, ciclos de vida e sociedade, Linha de Pesquisa: Ciências sociais, saúde pública e questões contemporâneas. É graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (1989). Tem especialização em Psicologia Junguiana pela Universidade de Ribeirão Preto/IBEHE(1997) e mestrado em Saúde Pública pela Universidade Estadual do Ceará (2002). Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia da saúde atuando principalmente nos seguintes temas: psicologia social, saúde pública, saúde mental e psicoterapia junguiana. Docente do Centro Universitário Estácio do Ceará e Faculdade Maurício de Nassau (Graduação); do Centro Universitário Christus (Pós-graduação).

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

André Dantas comenta seu novo livro

Novidade exclusiva: André Dantas antecipando um pouco do que guarda para nós em seu novo livro. Dialética da Modernidade I será lançado no ano que vem e o próprio autor fará os comentários no Clube, em novembro. Ah, que curiosidade!


Este é um livro sobre história das ideias. Mais precisamente é um livro sobre o modo como as transformações históricas pela quais passaram as ideias de Deus e de arquétipo contribuíram para a gestação de ideias centrais à modernidade como as ideias de indivíduo, natureza, sentimento, trabalho, ciência, estado e mercado. Isso implica afirmar que a modernidade é um processo secularizante que nasceu paradoxalmente a partir das mudanças no modo como a religião era encarada. A religiosidade dentro da qual a modernidade foi gestada é muitas vezes pensada como um detalhe extrínseco. A tese desse livro afirma, ao contrário, que muitas das ideias modernas surgiram como uma tentativa de resolver problemáticas religiosas. A falta de compreensão do contexto religioso em que elas surgiram impossibilita, então, uma compreensão mais aprofundada da sua razão ser, uma compreensão do como, do por que e do para quê elas passaram a existir.
Esse estudo das teses filosófico-religiosas que originaram a modernidade é feito partir de uma leitura dialética da psicologia de C.G.Jung. Essa leitura dialética é necessária porque tanto Jung quanto boa parte dos pós-junguianos trabalham com uma noção de arquétipo ainda muito presa à imaginação. Isso faz com que a interpretação arquetípica funcione amplificando temas a partir de mitos antigos. Muitas vezes isso resulta de uma confusão entre as imagens arquetípicas e o arquétipo em si que faz com que a mitologia, uma dentre as muitas formas de manifestação do arquétipo em si, seja privilegiada e elevada acima das outras passando, então, a ser utilizada para medir o grau de arquetipicidade das outras imagens. Essa concepção estreita de imagem faz com que algo só seja reconhecido como uma imagem arquetípica se aparecer de uma maneira personificada. Essa noção de arquétipo informada unilateralmente pela anima deixa de lado um amplo espectro de importantes fenômenos modernos, porque eles não se prestam a tal tipo de amplificação mítica. O estilo de pensamento imaginal baseado unilateralmente na anima não consegue enxergar as nuances das engrenagens internas desses fenômenos e, por isso, prefere ignorá-los. Nas poucas vezes que se debruça sobre eles a psicologia junguiana os imagina como novas versões de fenômenos do antigo mundo mítico e ignora as descontinuidades e as singularidades desses fenômenos. Uma noção de arquétipo regida pela sizígia como um todo levaria em consideração o animus, o logos, a lógica da própria noção de arquétipo liberando, então, essa noção da necessidade de aparecer personificada em um mitologema. Isso amplia os horizontes interpretativos da teoria, pois ela passa a enxergar melhor os detalhes de diversos aspectos que compõem os fenômenos modernos como, por exemplo, a iconoclastia, o mecanicismo, o desencantamento da natureza, a instrumentalidade científica e a disciplinarização do trabalho.

sábado, 6 de dezembro de 2014

E os primeiros sócios do Clube são...

São sócios do Clube não somente quem já tenha colaborado conosco, mas também aqueles que tenham agendado sua participação, seja expondo estudos em nossos eventos ou de outra forma.


Matilda (detalhe)
Su Blackwell, 2014
Em breve divulgaremos uma lista mais completa numa aba diferenciada, para facilitar a consulta. Porém, vamos adiantar os nomes dos comentadores de 2015: André Dantas, Neila Mesquita, Nistai Nascimento e Selene Mazza.

Quem gentilmente aceitou nosso convite para o evento inaugural foi Selene Mazza. Ela nos trará Sobre Sentimentos e a Sombra, uma das coletâneas de falas de C. G. Jung lançadas neste ano pela editora Vozes. É dia 16 de março, anote aí!

Depois, em maio, Neila Mesquita nos apresentará, de Marie-Louise von Franz, O Asno de Ouro. Paradoxalmente, o primeiro dos livros em que a suíça interpreta contos populares é também o último deles a nos chegar em português. O lançamento também foi este ano, pela Vozes.

No meio de setembro, Nistai Nascimento comentará O Mundo das Imagens, de Nise da Silveira. "Ouça" a voz de Fernando Diniz, sobre a efetividade do trabalho no ateliê terapêutico que frequentava: "Mudei para o mundo das imagens. Mudou a alma para outra coisa. As imagens tomam a alma da pessoa".

Finalmente, André Dantas fechará o ano com seu novo livro Dialética na Modernidade I. O lançamento, pela editora Clube dos Autores, é ano que vem e tudo indica que haverá sorteio de exemplares. Será que o sortudo ou a sortuda vai ser você? 

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Bem vindo ao Clube!

Este é o blog de divulgação do Clube do Livro Junguiano, uma ação de extensão promovida pelo Círculo de Pesquisas sobre Lógica e Epistemologia das Psicologias da Universidade Federal do Ceará (CPLEP-UFC), com curadoria de Neila Mesquita e apoio de Nistai Nascimento, ambos psicólogos junguianos.

A ação vem a se configurar como um espaço dedicado à discussão de escritos junguianos, sejam de autoria do próprio Jung, de outros autores, ou mesmo textos sobre essas pessoas. 

O Clube iniciará suas atividades em 2015, mantendo eventos duas vezes por semestre, sempre em segundas-feiras, das 18:30 às 21h, no auditório Raquel de Queiroz, Centro de Humanidades II, Campus do Benfica, UFC.

Na ocasião, um profissional junguiano irá apresentar e comentar um texto de sua escolha, dialogando com os presentes. O formato e o conteúdo da explanação estão a critério de cada comentador e podem nos trazer gratas surpresas. O acesso ao público é livre e gratuito.

Entre nossos objetivos estão: estimular o hábito da leitura científica, o compartilhamento de dúvidas e a disposição para a pesquisa; apresentar ao público obras junguianas pouco conhecidas ou mais desafiadoras; renovar o interesse geral pelas obras mais populares e promover comentários de alguns autores sobre seus próprios escritos.

Fique atento e acompanhe a divulgação das nossas atividades.